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A República e a Economia de Guerra 
 
 
Ana Paula Pires (IHC-FCSH-UNL)
Palestra proferida no contexto do dia festivo do Arquivo Histórico Militar
 

Cabe-me a honra de proferir uma comunicação cujo texto integra o “Memorial aos Mortos na Grande Guerra”, texto esse que foca um dos aspectos menos estudados, entre tantos outros, da participação de Portugal na Grande Guerra: a economia de guerra. Resolvi por isso, começar esta intervenção, com a ajuda das palavras de um escritor luso-descendente, mas que pela elevada qualidade dos seus textos, é um escritor do Mundo: John dos Passos

No início da década de 30, John dos Passos escreveu aquela que foi considerada pela crítica literária a sua maior obra: a trilogia U.S.A.

Nela o escritor norte-americano, com raízes na ilha da Madeira, retratou a América do início do século XX, descrevendo em múltiplas cores, no volume 1919 – o segundo da trilogia, os contornos e formas de uma Guerra nova, que se tinha feito grande pela dimensão, pelos métodos, pela logística que envolveu e pela mortandade que provocou.....

Dos Passos descreve-nos os contornos de uma guerra nova, travada à escala mundial e cujo impacto directo – deve ser entendido e medido à escala planetária – e cujos efeitos se fazem sentir na transformação do quotidiano e na vivência de milhões e milhões de cidadãos

Uma guerra travada em duas frentes: na frente de batalha, e uma denominada frente interna, uma frente suficientemente ampla, de apoio, capaz de envolver toda a população. É essa frente interna, de que a economia é uma componente essencial, que Dos Passos nos descreve:

“Com a ajuda de Deus Todo-Poderoso, do Direito, da Verdade, da Justiça, da Liberdade, da Democracia, da Autodeterminação das Nações, da Paz sem indemnizações nem anexações, e do açúcar de Cuba, do manganês do Cáucaso e do trigo do Noroeste e do algodão do Dixie, do bloqueio britânico, (...) dos táxis de Paris e do canhão de setenta e cinco ganhámos a guerra”.

A estória, aquela que Dos Passos descreve e dá vida,

Em páginas sucessivas de narrativa viva, mostra-nos por isso que tanto a história dos Estados Unidos da América,

Como a do Reino Unido, de Cuba, da África do Sul, da França, da Itália ou de Portugal,

Dificilmente poderão ser apreendidas, em toda a sua dimensão, se as analisarmos fora do contexto internacional, em que se inserem

A Primeira Guerra Mundial envolveu todos os países europeus, com excepção da Espanha, dos Países Baixos, da Suíça e da região da Escandinávia

Portugal mobilizou mais de cem mil homens

Mais de oito mil terão morrido

Mas é da população que ficou, que foi afectada pelos efeitos graves da fome e da miséria e das soluções apresentadas pelo Estado para a tentar mitigar que esta comunicação irá abordar

É essa “frente interna” que Dos Passos menciona ao nomear Cuba, o Cáucaso, Paris ou a própria região Noroeste dos Estados Unidos

A outra frente, de múltiplas frentes,

Mas uma frente decisiva, desde logo pelo papel que desempenhou na vitória ou derrota dos exércitos envolvidos no confronto,

As duas guerras mundiais influenciaram profundamente a história económica, cultural, política e institucional; transformaram a natureza das instituições e os padrões das trocas, afectaram o desenvolvimento tecnológico mas, acima de tudo, foram consumidoras de “riqueza”; perturbando o funcionamento dos mercados e influenciando, directamente, o crescimento económico.

Minhas senhoras e meus senhores,

Esta apresentação procura analisar a economia de guerra em Portugal, estudando algumas das suas principais características e especificidades, especificidades essas que na sua maioria são bastante demonstrativas do grau de dependência da economia nacional em matéria de comércio externo, e que, tal como irá acontecer mais tarde, durante a II Guerra Mundial, servem, desde logo, para denunciar o conjunto de vulnerabilidades estruturais que caracterizava a realidade económica nacional relativamente à natureza e composição do tecido produtivo.

A imagem que daqui resulta é, bem entendido, o reflexo de duas realidades dificilmente indissociáveis: por um lado o controlo da economia e da actividade económica pelo Estado e por outro a definição e a formulação das estratégias (ou a sua ausência) que estiveram por trás da condução da economia portuguesa durante os anos de Guerra

Estado e economia de guerra

A importância da frente interna como base de apoio aos exércitos em campanha foi uma das heranças que a I Guerra Mundial nos deixou, e que, em ano de centenário, importa também recordar

A constatação de que as vitórias, ou as derrotas, já não podiam ser construídas unicamente no campo de batalha mas que eram, necessariamente, o produto de um esforço comum, transversal a toda a sociedade, obrigou a uma mobilização sem precedentes, cujos impactos e efeitos de arrastamento se fizeram sentir em Portugal.

A construção de uma economia de guerra implica por isso a concepção de estratégias nacionais comparáveis nos seus objectivos aos planos militares, cabendo ao Estado desempenhar o papel de agente económico dotado de poderes para intervir na economia controlando gastos e consumos, tanto através do aumento de impostos como do tabelamento de preços ou mesmo do racionamento.

A análise económica de uma guerra implica, sempre, a adopção de uma estratégia cruzada que passe por uma identificação, tão clara quanto possível, dos diferentes actores em presença o que, na conjuntura política e económica em que eclode a I Guerra Mundial, implica que se equacione, desde logo, o papel desempenhado pelas interacções e pelas relações de dependência entre as realidades nacionais e as redes económicas globais onde os países se inseriam.

Uma economia de guerra deve ser interpretada, sempre, como uma economia de excepção, que se desvia de uma “norma” que caberá à paz restabelecer.

Seguindo uma tendência que foi comum à maioria dos países da Europa, o Estado português foi o actor central na organização da economia de guerra.

Até então, só muito timidamente intervinha em assuntos de carácter económico, temendo sempre interferir no direito de propriedade individual ou perverter o princípio da livre concorrência.

O reforço da intervenção do Estado na economia acabou por ser uma experiência inovadora que obrigou os poderes políticos a desempenharem funções de compradores e abastecedores de matérias-primas e produtos estratégicos, e a definir tabelas de controlo de preços de modo a suprir as necessidades básicas da população.

Em Portugal, contrariamente ao que irá suceder durante a II Guerra Mundial, nunca foi constituído qualquer organismo encarregado de “dirigir” a economia de guerra. Até 1916 foi o Ministério do Fomento quem, em articulação com as Finanças, desempenhou formalmente funções de “coordenação” e de direcção.

Vou começar assim por sintetizar, brevemente, quais os principais objectivos das políticas económicas de guerra implementadas pela República portuguesa, analisando, em seguida, os contornos que estiveram por trás da sua organização e concluir com algumas considerações em torno dos impactos da guerra na economia portuguesa.

É por isso importante entender e equacionar, desde logo, a economia como uma das principais frentes de combate e tentar perceber até que ponto o atraso económico português potenciou, ou não, a aprovação de um conjunto de medidas destinadas a diminuir o impacto da desarticulação das economias e dos circuitos normais de distribuição, à semelhança aliás do que vinha acontecendo nos restantes países directa ou indirectamente afectados pelo conflito.

1.       Objectivos das políticas económicas de guerra da República

A República portuguesa, apesar de, a pedido da Grã-Bretanha, não ter assumido uma posição nem de neutralidade, nem de beligerância, face à guerra na Europa, até 9 de Março de 1916, data em que os Impérios Centrais lhe declararam guerra, por força de limitações da produção nacional e em virtude dos efeitos de uma dependência externa crónica em subsistências, combustíveis e transportes (que o evoluir da Guerra se encarregaria de colocar ainda mais em evidência), foi forçada a lançar, a partir do final de 1914, os contornos da organização de uma economia de guerra, procurando minorar os efeitos do conflito europeu na actividade económica e financeira do País.

 

Os objectivos inscritos nas políticas económicas de guerra enunciadas pela I República foram quase sempre guiados por três objectivos específicos:

 

  1. garantir o abastecimento do País em bens essenciais à subsistência quotidiana da população;
  2. definir uma política de controlo de preços;
  3. encontrar os instrumentos necessários à intensificação e auto-suficiência da produção agrícola.

 

É por isso clara a preocupação, transversal aos vários governos republicanos no poder ao longo dos anos de 1914 e 1918, no sentido de procurarem minimizar os efeitos da “questão das subsistências”, tendo em vista a diminuição dos níveis de conflitualidade social que inevitavelmente lhe estavam associados. Opções que demonstram, de resto, o grau de dependência da economia nacional em matéria de comércio externo e que serviram, também, para denunciar um conjunto de vulnerabilidades estruturais que, em boa medida, caracterizavam a natureza e a composição do tecido produtivo português. A actuação do Estado, neste domínio específico, apontava para uma única direcção: o combate à especulação, estratégia que passava desde logo pela:

 

-        criação de organismos centrais e locais que tomassem providências tendo em vista a resolução do problema das subsistências;

-        fixação de preços máximos e a elaboração de inventários de produção e consumo nas principais regiões;

-        criação, por conta do Estado, de armazéns reguladores de preços de géneros de primeira necessidade.

 

Compreende-se assim que, há medida que as dificuldades de abastecimento de géneros se iam agravando, crescesse, de forma excepcional, a necessidade de se proceder a um apuramento rigoroso da situação económica do País;

só assim seria possível prever a quantidade de importações necessárias de modo a travar a degradação das condições e do nível de vida da população.

Registe-se, a propósito, a inexistência de qualquer inquérito estatístico rigoroso que pudesse constituir um ponto de partida para o apuramento sistemático e detalhado da situação económica interna, permitindo à República contabilizar reservas e equacionar necessidades futuras de matérias-primas.

Tornou-se igualmente claro, ao longo de toda a conjuntura, que a Guerra não era um argumento capaz de justificar por completo, e por si só, o agravamento da situação económica nacional, este aspecto adquire uma nova centralidade quando se analisam as exigências dirigidas ao Governo tanto pelo operariado como pelas associações industriais no sentido de verem implementadas medidas que condenassem a especulação dos preços dos géneros alimentícios, travando, consequentemente, a sua alta constante.

Esta intensificação da acção intervencionista do Estado na esfera da actividade económica veio demonstrar, também, que no caso específico das subsistências, se em teoria era fácil organizar tabelas de preços, as dificuldades surgiam quando o Governo se mostrava incapaz de garantir o abastecimento regular de mercadorias e de travar a especulação e o açambarcamento.

Para mais, cedo se tornou evidente que a adopção de uma política económica de guerra orientada para a restrição da liberdade de consumo (através da adopção de tabelas de preços) e para a defesa do abastecimento nacional (proibição da exportação) teria poucos efeitos na resolução do problema das subsistências.

Por outro lado tornava-se, igualmente, necessário encontrar os instrumentos adequados por forma a potenciar não só o desenvolvimento do sector dos transportes mas também, inevitavelmente, a promoção e fomento da exportação e o aumento da produção agrícola, estratégia que tinha que ser gerida num quadro onde a “mão do Estado” vinha ganhando cada vez mais visibilidade.

De resto, a Guerra encarregou-se também de chamar a atenção da República para os grandes problemas sociais que a vinham afectando, forçando-a a aprovar medidas e a pôr em prática reformas estruturais há muito ambicionadas.

E neste sentido, importa sublinhar também a própria criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social, logo em Março de 1916.

Simultaneamente, um dos elementos cruciais que se impunha, a implementação de um organismo encarregado de dirigir a economia de guerra, acabou por nunca ser assumido como prioridade por nenhum governo republicano, ainda que, pelo menos até 1916, o Ministério do Fomento, em articulação com as Finanças, acabasse por desempenhar formalmente funções de “coordenação” e de direcção da economia de guerra.

A partir desta data, os pressupostos e as realidades seriam um pouco diversos, uma vez que a máquina administrativa do Estado sofreria uma complexificação significativa.

A experiência de Guerra acabou também por alertar os Governos para a necessidade de se adoptar uma política de fomento assente na intensificação dos processos produtivos, na modernização dos hábitos comerciais e na organização científica do trabalho.

Neste domínio, restariam poucas dúvidas, até ao final da Guerra, de que o grande problema nacional era sobretudo um problema de produção. A recordá-lo continuava firme, e sem resolução aparente, a “questão das subsistências”.

No início de Janeiro de 1916, ainda antes da entrada de Portugal na guerra na Europa, o ministro do Fomento, António Maria da Silva, apresentou na Câmara dos Deputados uma proposta em que defendia a indispensabilidade de ser o Governo a centralizar, através do Ministério do Fomento, todas as providências destinadas ao abastecimento do País em matérias-primas e mercadorias de primeira necessidade[1].

O governo reduzia deste modo o problema das subsistências às consequências decorrentes do início da Guerra na Europa, responsabilizando-a pelas principais alterações que se vinham verificando em Portugal, sem avançar quaisquer outras explicações – mais profundas – para justificar a carestia de géneros.

Tornava-se necessário encarar o problema das subsistências de forma integrada, nos seus múltiplos aspectos: económico, financeiro e jurídico.

Significativo era ainda o facto de não ter sido apenas o Governo a tomar medidas destinadas a atenuar os efeitos da carência de subsistências; também as Câmaras Municipais, por iniciativa própria, adoptaram providências, regulando preços e adquirindo e vendendo géneros ao público[2].

Esta estratégia apontava com clareza a intenção do Governo reforçar e valorizar as capacidades dos municípios, conferindo-lhes as faculdades necessárias para organizar – tendo em vista a resolução da crise das subsistências – serviços de abastecimento de géneros alimentares ou de combustível, assim como os respectivos transportes.

O Governo procurava actuar centralizadamente, de modo a que as instruções emanadas dos órgãos centrais fossem cumpridas em todo o País. Esta orientação traduzia, como defende Vasco Pulido Valente, “um esforço de autonomia, centralização e alargamento de poderes, que prepara a política de concentrar no Estado o exclusivo da distribuição dos principais géneros alimentares”[3]. O Estado passava assim a controlar directamente os assuntos relativos ao comércio externo.

A DSSP foi extinta ainda antes do final da guerra, em sua substituição foi criado, a 9 de Março de 1918, o Ministério das Subsistências e Transportes[4].

4.       Impactos da organização da economia de guerra no tecido produtivo

Coube ao terceiro governo (25-04-1917 a 10-12-1917) chefiado por Afonso Costa decretar a intensificação da produção agrícola nacional, criando no Ministério do Trabalho, sob dependência da Direcção Geral da Agricultura, uma repartição provisória que denominou Repartição de Mobilização Agrícola[5].

Como doutrina fundamental, defendia-se o estímulo da produção agrícola, assumindo-se como critério a necessidade de se permitir a obtenção de maiores lucros por parte dos produtores, orientação que de resto se esperava contribuir para prejudicar os intermediários que tinham especulado e lucrado à custa da população, ao longo dos últimos anos de Guerra.

 

O Ministério do Trabalho acabou por assumir, directamente, as questões relacionadas com a intensificação da produção agrícola, fazendo-as depender do aproveitamento, por meio de diques, albufeiras e canais, das correntes e quedas dos rios e águas pluviais.

Por isso, o mais interessante era o reconhecimento de que, apesar de tudo, era ainda o Estado quem reunia os melhores recursos e os meios necessários para transformar uma agricultura arreigada em práticas estruturalmente ineficientes num sector capaz de assegurar o desenvolvimento da produção e, consequentemente, a diminuição dos níveis de importação de bens agrícolas essenciais. No fundo, pensava-se que seria muito vagaroso, e pouco acentuado, o esforço a realizar pela iniciativa privada, numa conjuntura em que se impunha celeridade à obra de alargamento e intensificação da produção agrícola que se pretendia desenvolver.

A 26 de Janeiro de 1918, Cunha Coutinho (1885-1949) proferia na Sociedade de Geografia de Lisboa uma conferência sobre o papel e as funções do ensino agronómico e agrícola na intensificação das produções[6]. Foi por esta altura, de resto, que se começou a reflectir mais a sério acerca da necessidade da “crise nacional”, que há muito vinha afectando o País, ser solucionada ou atenuada por processos inteiramente novos e que deveriam assentar em quatro pressupostos fundamentais: (i) a elaboração de um plano de fomento agrário; (ii) a realização de um inquérito largo, profundo e minucioso, à situação agrícola do País; (iii) a fundação de escolas agrícolas ambulantes e (iv) a reorganização do crédito[7].

Há que sublinhar ainda a criação do Ministério da Agricultura[8], organismo cuja direcção seria entregue ao Presidente da Associação Central da Agricultura Portuguesa, Fernandes Oliveira. Efectivamente, logo a 1 de Abril, o recém-criado Ministério da Agricultura legislava tendo em vista a constituição de sociedades cooperativas agrícolas e de seguro mútuo e pecuário, assim como o desenvolvimento de todos os meios de intensificação da produção agrícola, através do acesso ao crédito[9].

Conclusões

A I Guerra Mundial teve um impacto globalmente negativo no percurso económico português.

No final de 1919, estimava-se que as despesas da participação portuguesa na Guerra rondassem 1 400 000 contos.

A Guerra agravou uma crise económica endémica, e interrompeu o equilíbrio orçamental conseguido por Afonso Costa e pelos Democráticos em 1913, inibindo quaisquer possibilidades de progresso económico, a médio e longo prazo.

Tornou-se rapidamente evidente que as debilidades do aparelho produtivo português, potenciadas à luz do problema dos abastecimentos e da dependência externa em transportes (ausência de uma marinha mercante e uma rede ferroviária nacional deficiente), teriam, impreterivelmente, que se traduzir, a nível interno, num avolumar da contestação e num aumento da conflitualidade social, sobretudo a partir de 1916/1917.

Em suma, os efeitos da dependência externa em matéria de transportes e abastecimentos, evidenciando um cenário de escassez generalizada, acabaram por forçar a República portuguesa a intervir na esfera económica, delineando, sem recurso a qualquer matriz teórica ou aparelho conceptual, os contornos de uma economia de guerra e a definição de políticas económicas de guerra.

A conjuntura de Guerra não permitiu à agricultura, com excepção do breve período do sidonismo, inverter a queda de grande parte das suas produções, acentuando uma tendência que há muito se vinha verificando.

Por outro lado, algumas medidas adoptadas, nomeadamente o tabelamento de preços e a obrigatoriedade do manifesto das produções, acabaram por ter também reflexos negativos, gerando o descontentamento nos meios agrários.

De notar ainda o alargamento do campo de intervenção do Estado e a forma como passou a incluir entre as suas funções a divulgação dos métodos e das culturas agrícolas mais adequadas a cada região.

Ainda que, como enquadramento geral, a Guerra só muito timidamente tivesse sido encarada pelos poderes públicos como uma oportunidade de transformação e modernização do sector.

A indústria portuguesa acabou por tirar partido da conjuntura.

Vale a pena ter presente que a impossibilidade de importar deu espaço e argumentos ao sector para desenvolver indústrias que noutras condições nunca teriam sido lucrativas.

Saliente-se por isso a forma como a sua “estratégia” de sobrevivência ficou indissociável da existência de três factores principais:

1.                   preços elevados;

2.                   baixos salários;

3.                   e ausência quase total de concorrência no campo internacional.

De fora ficou, na maioria das vezes, a renovação ou a modernização das estruturas produtivas.

Mas a Guerra encarregou-se de revelar, também, que era imprescindível que se criassem os instrumentos essenciais à intensificação da laboração e ao aumento da produtividade do trabalho industrial.

A apreciação geral deixa contudo antever que foram as indústrias de exportação (têxteis, minas e conservas) quem mais beneficiou com a Guerra,

o que por si só deixava antever clivagens entre os ramos mais ligados às exportações e aqueles mais dependentes do mercado interno para colocar os seus produtos, tendência que o pós-guerra irá acentuar.

A Guerra, proporcionou a tomada de consciência de que seria imprescindível para o progresso económico da República a conquista de novos mercados de exportação.

Sublinhe-se por isso o papel e a importância das missões comerciais levadas a cabo pela Associação Comercial Portuguesa, nomeadamente à Inglaterra e ao Brasil,

Sem esquecer que também a nível interno o comércio prosperou; beneficiando da subida dos preços e tirando partido da especulação e do mercado negro.

Assinale-se também o impacto das perturbações trazidas pelo conflito mundial (carência aguda de géneros e produtos alimentares de primeira necessidade e dificuldades de abastecimento) no agravamento da situação social do operariado e das camadas mais baixas do funcionalismo público, nos pequenos agricultores e nos titulares de rendimentos fixos, destacando, desde logo, a desvalorização dos salários reais, a insuficiência das produções, problemas de distribuição e o açambarcamento.

A Guerra, expondo diariamente e de forma crua as limitações do republicanismo, acabou por criar o contexto e gerar as condições não só para o surgimento mas também para a justificação das primeiras experiências manifestamente anti-parlamentares e anti-liberais.

No seu conjunto a participação de Portugal na I Guerra Mundial ditou o fim da I República.

A Guerra pôs a nu, exacerbando-as, todas as clivagens que tinham caracterizado o regime desde a sua implantação, em Outubro de 1910: acentuou a impopularidade do Partido Democrático e de Afonso Costa e contribuiu para intensificar o conflito entre o movimento operário e a República.

A Guerra determinou também um momento de viragem em relação ao papel do Estado, abrindo caminho a uma redefinição das suas funções ao nível da organização e gestão das actividades económicas e do tecido produtivo.

Nesse sentido, a acção intervencionista do Estado foi apresentada como uma condição fundamental para garantir o regular abastecimento do País e atenuar a carestia de vida.

A Guerra tinha mostrado que o percurso económico poderia ser feito de maneira diferente:

Incorporando novos enunciados teóricos e metodológicos que permitissem ultrapassar uma crise cujos contornos, como vimos, tinham sido exacerbados pelo evoluir da conjuntura interna e internacional.

Importa registar também que só timidamente tinham sido ensaiadas, políticas económicas de conjunto

Em 1919, John dos Passo concluía que a Guerra era a saúde do Estado.

Fica também a certeza de que Portugal só timidamente tinha tido capacidade para explorar as oportunidades que, entre destruição e morte, a Guerra tinha também conseguido forjar.



[1] Diário da Câmara dos Deputados, Sessão n.º 13 de 3 de Janeiro de 1916, pp.8-14.

[2] Veja-se a propósito, Breve Notícia da Acção da Câmara Municipal do Porto na Crise Alimentícia de 1916-1917 apresentada pelo Presidente da sua Comissão de Subsistências, Porto, Tipografia Mendonça, 1917.

[3] Vasco Pulido Valente, Estudos sobre Sidónio Pais…, p.11.

[4] Decreto n.º 3902, Diário do Governo, I Série, n.º 46 de 9 de Março de 1918.

[5] Decreto n.º 3 619, Diário do Governo, I Série, n.º 208 de 27 de Novembro de 1917.

[6] “A Intensificação agrícola” in O Economista Portuguez. Revista Financeira, Económica, Social e Colonial, 10.º Ano, n.º 17, 3 de Fevereiro de 1918, p.251.

[7] Idem.

[8] Decreto n.º 3902, Diário do Governo, I Série, n.º 46 de 9 de Março de 1918.

[9] Decreto n.º 4022, Diário do Governo, I Série, n.º 65 de 1 de Abril de 1918.

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