O Instituto da Defesa Nacional organizou um seminário internacional, em Lisboa, entre 30 de Setembro e a 1 de Outubro de 2014, com o apoio da Comissão Coordenadora da Evocação do Centenário da Primeira Guerra Mundial do Ministério da Defesa Nacional, e em parceria com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e com o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
O encontro científico deu lugar a cerca de 30 comunicações de investigadores nacionais e estrangeiros sobre o tema, desde trabalhos de alguns dos autores mais conceituados neste campo de estudos, até investigação inovadora em curso por académicos jovens.
Seria impossível resumir sinteticamente toda a riqueza e diversidade das comunicações apresentadas. O que aqui procuraremos fazer é oferecer uma das sínteses possíveis, dividida em sete pontos, do que foi um debate muito rico e que não se pretende dar como encerrado, mas tomar como ponto de partida para iniciativas e publicações nos próximos meses e anos.
1. Se houve um aspeto que foi particularmente sublinhado nestas intervenções foi o facto de a abordagem da Primeira Guerra Mundial do ponto de vista do papel das pequenas e médias potências, de potências emergentes e submergentes ser significativamente original podendo preencher um vazio importante na literatura académica sobre a Primeira Guerra Mundial. Tem ainda a vantagem de permitir estabelecer uma ligação entre os debates sobre a participação portuguesa no conflito e os debates mais relevantes internacionalmente, assim como enriquecer a análise nacional da Primeira Guerra Mundial com uma dimensão comparativa.
O único resumo possível dos ricos debates conceptuais sobre como classificar potências como pequenas, grandes, emergentes ou decadentes, é que se está longe de alcançar consenso. Mas parece existir uma tendência crescente, quer na História, quer nas Relações Internacionais, para reconhecer que há que tirar conclusões na forma de conduzir a análise de eventos da Primeira Guerra Mundial, de que nem as pequenas potências são irrelevantes, nem as grandes potências são omnipotentes.
2. Os organizadores do seminário procuraram na sua seleção das intervenções apresentadas oferecer uma visão ampla, não apenas centrada na dimensão estratégica, apesar desta ser muito relevante para a temática. Vimos, por exemplo, que uma pequena horta pode ser uma fonte de poder e resiliência (sob a forma de Victory Gardens nos EUA, mas também em Portugal com a promoção da horticultura e da jardinagem como dever patriótico e a sua associação à recolha de fundos para a guerra); ou como essa forma musical tão portuguesa como o fado teve um papel importante como propaganda patriótica, sátira popular ou apelo pacifista.
3. Esta Grande Guerra foi verdadeiramente global também por causa das pequenas e médias potências cuja análise é indispensável para melhor se perceber essa globalidade. É assim com pequenas potências na Europa, mas grandes em África (Bélgica, Portugal), ou as potências emergentes fora do continente europeu como a África do Sul, ou o Japão, que tinham objetivos bem próprios e fizeram a “sua” guerra no sentido de os atingir.
A Grande Guerra foi portanto devidamente considerada na sua dimensão global, em todos os seus paradoxos. Desde o facto de em África, ao contrário de nos demais teatros, a maioria das vítimas do conflito não serem militares, mas sim carregadores civis. Até à Ásia, com a Índia a dominar em termos de número de tropas envolvidas em combate mas sendo ela própria dominada pela Grã-Bretanha, até à China, que sendo um grande território, estava dividida e altamente enfraquecida, não era plenamente soberana, mas cujas elites viram na entrada formal na guerra a possibilidade de começar recuperar o seu estatuto internacional e cujos trabalhadores foram utilizados em grande número para cavar trincheiras.
Esta globalização do conflito também se manifestou na importância da dimensão naval. O que nos leva ao Brasil, cuja principal modalidade de intervenção no conflito passou pelo envio de uma divisão naval, mas também a Cabo Verde e aos Açores, que ocupavam posições geoestratégicas vitais no quadro do conflito naval no Atlântico. Estes dois últimos casos são bons exemplos de como, mesmo, territórios pequenos podem ter grande importância numa Grande Guerra.
A importância do Mediterrâneo, dos Balcãs, da Sérvia e particularmente, de Itália) foram apontadas como exemplo de como certas regiões e potências, por vezes consideradas marginais e relativamente menores, podem tornar-se zonas vitais e atores fundamentais num conflito militar global. Foi assim, claramente, com o crescendo de crises militarizadas, que vai da invasão italiana da Líbia, em 1911, passando pelas Guerras Balcânicas de 1912-1913, de que emergiu uma Sérvia alargada e radicalizada, até à crise de junho/julho de 1914 que levou à Grande Guerra. Foi assim novamente no contágio da Grande Guerra, em 1915-1916, a países como a Itália, a Roménia, a Grécia ou Portugal.
4. A importância de uma estratégia total, também designada grande estratégia, foi referida, várias vezes e de várias maneiras, nestas análises relativamente à Grande Guerra, uma guerra cada vez mais total, a exigir a máxima mobilização de recursos humanos e materiais, e aliados.
Foi sublinhada a sua importância nomeadamente para perceber o resultado do conflito em 1918, em que ficou clara a vantagem das potências aliadas neste campo, também na maior capacidade de captação para o seu lado de pequenas e médias potências, e de poderes emergentes como o Japão e os Estados Unidos da América. E sendo verdade que as pequenas e médias potências numa Grande Guerra têm necessidade de aliados entre as grandes potências. Também é verdade que num conflito a exigir máxima mobilização de recursos humanos e materiais, mesmo a adição de pequenas potências a um dos blocos de grandes potências em conflito pode fazer diferença, forçando a dispersão do adversário ou fornecendo acesso a recursos ou posições estratégicas.
5. A neutralidade foi uma opção para algumas pequenas potências – como a Holanda ou a vizinha Espanha – mas, sobretudo por questões de localização, não para outras – como a Bélgica ou a Grécia (embora mesmo nestes casos lhes tenha sido deixada ainda uma escolha crucial, a de resistir ou colaborar com a intervenção de grandes potências no seu território).
A neutralidade trouxe algumas vantagens económicas importantes para os países neutros. Mas mesmo nesses casos, eles não deixaram de ter de suportar também os grandes custos da guerra ao nível de perturbação das importações ou dos créditos vindos exterior, afetando significativamente o preço e a disponibilidade de alimentos básicos, resultando em crescentes tensões sociais. Viram também a sua imagem no exterior afetada negativamente por serem frequentemente retratados como países que beneficiavam economicamente com uma guerra terrível.
Foi sublinhado ainda, neste contexto, que as pequenas e médias potências não são necessariamente pacíficas. Podem, nomeadamente, usar meios não convencionais (ainda hoje se discute o grau de conhecimento e concordância de diferentes setores do Estado Sérvio com o atentado terrorista de junho 1914 em Sarajevo) ou uma guerra geral para prosseguir os seus próprios objetivos estratégicos.
A entrada na guerra tendeu a promover, ainda que apenas num breve período inicial, uma maior coesão nacional – exceção talvez para os casos de Portugal e da Grécia, já muito polarizados – mas com o prolongamento do conflito acabaram por explodir, um pouco por todo o lado, crises, motins violentos e revoluções.
6. Um dos factos mais importantes relativamente ao fim da Primeira Guerra Mundial, sublinhado por vários participantes, é o paradoxo de que, depois de 9 milhões de mortos e quatro anos de conflito, os maiores derrotados foram quatro grandes impérios, sendo que no caso de três deles houve um colapso do Estado (Otomano, Romanov, Habsburgo). Pelo contrário algumas das pequenas potências que pareciam derrotadas militarmente, e que sofreram ocupação de boa parte do seu território, surgiram no final como grandes vencedoras do conflito – começando pelo própria Sérvia que mais do que duplicou de tamanho transformando-se na Jugoslávia. Foi também sublinhado neste contexto que ao nível do próprio processo de paz que se seguiu ao fim da guerra, as pequenas e médias potências pesaram mais do que se poderia supor no desenhar de uma nova ordem internacional que, ao afirmar o princípio da autodeterminação dos povos e ao procurar limitar o direito dos Estados a declarar guerra, apesar de todas as limitações, teria um grande impacto futuro, nomeadamente na proliferação de pequenos e médios Estados no último século.
7. Procurou-se também oferecer uma perspetiva mais geral, ligando os vários temas específicos com debates mais gerais sobre a Primeira Guerra Mundial e sobre o papel de Portugal, e focando também aspetos que possam merecer maior reflexão no presente. Desde logo, foram sublinhadas as diferenças entre História e Relações Internacionais, com a primeira a focar maior atenção na dimensão de contingências e a segunda em padrões e em modelos explicativos de aplicação mais geral. Seja como for a Primeira Guerra Mundial tem sido nessas duas disciplinas foco de importantes debates, em que se reconheceu que o papel das pequenas e médias potências e de atores não-estatais pode ser vantajosamente englobado. Um problema particularmente atual tem a ver com a forma como se olha para a intervenção de Portugal na Primeira Guerra Mundial, em particular na Frente Ocidental, com a utilização das Forças Armadas essencialmente de apoio à política externa. Sublinhou-se que, sobretudo neste contexto, era preciso garantir um amplo consenso político de apoio ao uso da força, algo que faltou em Portugal. Isso explicaria a resiliência de pequenas potências como a Sérvia ou a Bélgica face ao colapso de grandes potências. É igualmente indispensável garantir que o uso da força seja calibrado em função dos meios realmente existentes ou mobilizáveis, de outra forma independentemente do heroísmo dos soldados, o resultado será no mínimo arriscado, quando não potencialmente desastroso. A procura de grande visibilidade externa por uma pequena potência como Portugal deve ser vista com prudência: ela só interessa se o que for visível tenha eficácia operacional. Igualmente sublinhado foi como era essencial a boa coordenação entre lideranças políticas e militares, entre a dimensão militar e outras, um problema que se coloca de forma aguda em Portugal entre 1914-1918, mas que também existe nas grandes potências.


INTERVENÇÃO DA SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA DEFESA NACIONAL DRA. BERTA DE MELO CABRAL